domingo, 23 de janeiro de 2011

Erros


Deitada no chão frio da sala, ela se perguntava o porquê de tantos erros sucessivos. Ela queria arrancar a própria pele, vomitar as enzimas digestivas e roer as unhas. Estavam tão bem daquele jeito, estavam tão próximos e ao mesmo tempo, tão separados. Ela o desejava mais do que a noite deseja Lua e o dia, o Sol. Talvez fosse perda de tempo sofrer por aquilo que não podia tocar. Talvez tivesse sido tudo uma perda de tempo. Ou não. Não para ela. Não tinha sido pois ela sentia aquele vazio dentro do corpo. Ela sentia que um pedaço de alma não estava mais no seu corpo. Ah, que sensação horrível ! Querer chorar, mas não ter lágrimas para derramar. A maquiagem borrada escorrendo pela face branca. Os olhos molhados e vermelhos. A boca soluçando e salivando, mordendo a língua com os dentes trêmulos, provocando pequenos cortes, deixando um sabor amargo e ferroso.
Levantou-se com certa dificuldade, apoiando no sofá cor bordô. Foi até a geladeira, abriu uma grande garrafa de líquido transparente e cheiro forte. Começou a beber tão deliciosamente, engasgando nos primeiros minutos que virava a bebida. Tossiu. As pernas bambas e peladas. Voltou a tomar da garrafa, um gesto guloso, a cabeça rodando e os cabelos embarrassados.
Foi até seu quarto, limpando a maquiagem borrada do rosto, e com as mãos trêmulas passava o batom vermelho escarlate, o delineador preto. Vestiu o short preto, e o scapin amarelo. Ainda com a garrafa na mão, saiu da sua casa para a noite fria da cidade, deixando no caminho pedaços do seu coração.
Queria encontrá-lo. Procurava-o freneticamente pelas ruas mal-iluminadas. Voltou a chorar, tomando mais goles do etílico em sua mão. Não o encontrava. Muitos rostos. Nenhum familiar. Na porta de uma casa de shows alguns garotos gritaram pra ela. Mais erros. Um foi agarrado pela gola da camisa de marca, e com uma mordida nos lábios do garoto, ela pediu cigarros. Ele não tinha. Ela cuspiu em sua cara. Saiu agitando os braços. Ela não o achava. Onde ele estava ? A única pessoa que a interessava. Ela era a errada. Ele não iria aparecer. Lembrou-se de quando estavam juntos. Mãos dadas. Ele tirando as mechas do cabelo dela, que teimavam em cair no rosto. Fumaça. Estava tudo embaçado agora. O gosto amargo na boca. Vômito. Estava com as mãos e os joelhos na calçada. Vomitava sem parar. Ao se levantar, quebrou o salto. Ela o queria tanto. Ela queria pedir desculpas. Ela queria que ele lhe desse uma segunda chance.
Alcoolizada, desapontada, quebrada, apaixonada...
Com um último gole da sua bebida, urrou ferozmente. Quebrou a garrafa na sargeta, jogando cacos de vidro por toda a rua. Tinha arranhões por toda a perna agora. Sangrava pelos joelhos. Foi atravessar a rua. Luzes. Som estridente. Buzina. Escuridão. Acabou tudo. O ponto final.

O motorista saiu do carro. Uma moça! Mais essa agora. Ele estava com uma pressa para encontrar uma pessoa. Uma pessoa que havia quebrado todas suas esperanças. Uma pessoa por quem ele estava apaixonado. E amar era isso. Sofrer. Perdoar. Ser idiota o suficiente para perdoar. Ela podia estar em todos os lugares. E agora tinha atropelado uma moça.
Olhou o corpo de mulher no chão. O sangue escarlate. Não ! Ele conhecia o sapato amarelo. Ele conhecia aquelas pernas e aqueles cabelos. Tirou os cabelos ensanguentados da face da moça. Ela.
Era ela.

Nayara K.

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